O livro Brand Gap de Marty Neumeier, também traduzido em português como o Abismo da Marca, é talvez um dos livros mais inspiradores sobre branding e gestão de marcas. Destacamos aqui algumas das principais mensagens contidas nesta obra que rapidamente se tornou uma bíblia de marketing para criativos, designers e responsáveis de marca.
Todas as empresas integram dois pensamentos distintos: a perspetiva racional e funcional, (onde se integra a estratégia corporativa), e a perspectiva emocional e simbólica (onde se integra o design e as emoções). A separar ambas as perspectivas existe o abismo da marca. E a missão principal de qualquer responsável de marca, passa por reduzir essa dissonância, alinhando o pensamento estratégico, com o pensamento criativo. Ou seja, alinhando a razão com a emoção.
A proposta de Brand Gap inicia-se com a criação de uma identidade de marca, que deve estar materializada em todos os touch-points do negócio. E nesse contexto, existem 5 grandes ideias que o livro destaca:
Uma marca é a intuição sentida por uma pessoa em relação a um produto, a um serviço, ou a uma empresa.
Branding é o processo de articular uma boa estratégia com uma boa criatividade
A base de uma marca é constituída pela confiança criada
O valor de uma marca deve crescer na proporção direta da rapidez e da facilidade com o que os clientes respondem SIM à promessa da marca.
Uma marca carismática é definida por um produto, serviço ou empresa para o qual os consumidores acreditam que não existe uma alternativa, ou um produto substituto.
Marty Neumeier começa por abordar os fundamentos de uma Marca. O autor relembra que a marca não é o que a empresa afirma, mas sim a intuição que os consumidores sentem em relação ao produto, ao serviço ou à empresa. E por esse motivo, a confiança é um dos principais pilares da construção de uma marca. Podemos afirmar que os clientes confiam na marca quando as suas expectativas são correspondidas, ou idealmente ultrapassadas. O que não é um processo fácil nos dias de hoje, pois a sociedade moderna é rica em fornecer informações, mas escassa em conceder-nos tempo para acolher toda essa informação disponível.
Numa sociedade hiper concorrencial, as marcas mais valiosas são as que conseguem salientar-se entre o ruído publicitário que envolve o consumidor. Sem tempo para pensar ou decidir, o consumidor baseia as suas decisões de compra em percepções simbólicas ou pistas imediatas, e não tanto em informações diretas, racionais, ou até mesmo baseadas no preço. Aliás, neste contexto, Marty Neumeier recorda-nos que só há espaço para um concorrente poder ser o mais barato, pelo que não resta outra opção aos restantes players do que valorizar e comunicar os seus produtos através da diferenciação de marca.
As 5 disciplinas do Branding
Existem 5 disciplinas que podem transformar qualquer marca, numa marca-carismática. Ou seja, marcas que se elevam muito acima da concorrência e para as quais os consumidores não encontram alternativas, ou marcas substitutas. Para Marty Neumeier qualquer marca pode ser uma marca carismática, desde que domine 5 disciplinas essenciais: Diferenciação, Colaboração, Inovação, Validação e Nutrição.
Diferenciação: integrar a identidade do consumidor
O processo de diferenciação inicia-se com a resposta a três perguntas que os responsáveis da marca, ou da empresa, devem fazer a si próprios:
Quem somos?
O que fazemos?
E qual a importância do que fazemos
Os cérebros dos consumidores filtram apenas as informações que são relevantes, focalizando-se apenas no que é diferente ou útil. O processo de diferenciação evoluiu ‘do que é’ para ‘o que faz’, para ‘como você se sentirá’. E hoje, a diferenciação focaliza-se em ‘quem você é’. Ou seja, marcas diferenciadas pelo consumidor, são marcas que não só compreendem os seus clientes, como sobretudo contribuem para o seu crescimento pessoal e social.
Os atributos funcionais dos produtos ou serviços, como o preço, ainda são importantes para as pessoas. Todavia, a sua importância é hoje suplantada pelas experiências e pelos atributos emocionais que contribuem para o desenvolvimento da própria identidade do consumidor.
Marty Neumeier compara as marcas a deuses tribais que pro seu lado são seguidos pelas tribos criadas pelos consumidores como forma de viverem numa sociedade cada vez mais globalizada. E nesse espaço identitário, a marca tem um papel especial de salvaguarda e de orientação para o desenvolvimento pessoal de cada consumidor. As marcas que o conseguirem, tornam-se as marcas eleitas pela tribo, pelo que as marcas secundárias devem redefinir o seu espaço tribal, ou reposicionarem-se para tribos diferentes.
Colaboração: articular a razão com a emoção
As marcas especializadas acabarão sempre por vencer as marcas generalistas. E isso deve-se à sua capacidade de adaptação e de resposta às necessidades dos consumidores. É preciso uma aldeia para construir uma marca. Ou seja, é preciso um espaço de especialização que a marca pode e deve ocupar junto de uma tribo de consumidores que acolherá a especialização da marca escolhida.
A especialização decorre da articulação entre o hemisfério esquerdo e direito do cérebro. Ou seja, da capacidade da marca articular a lógica racional e a magia criativa. Algo só possível através de uma colaboração profunda e permanente. Através da colaboração, um mais um é igual a onze. E neste contexto, Marty Neumeier recorda-nos grandes empreendimentos, construções complexas, ou projetos multidimensionais como sendo os as grandes produções de Hollywood, ou as empresas de Silicon Valley, ou até mesmo as grandes Catedrais da era Renascentista. Todos exemplos de colaboração criativa, onde a lógica e a razão se articulam com a criatividade e a emoção.
O futuro da economia irá reunir cada vez mais grupos distintos nas suas especializações, mas unidos numa colaboração não apenas produtiva, mas também criativa. Serão grupos de empresas distintas e separadas que irão formar cadeias de valor únicas e integradas. Marty Neumeier sugere como solução prática, a criação de protótipos como materializações de esforços que provêm de diferentes players. Para Marty Neumeier os protótipos eliminam a burocracia do marketing e permitem que a intuição fale com a razão.
Inovação: a magia que desperta a paixão dos consumidores.
Para Marty Neumeier é o design, e não a estratégia, que desperta a paixão nas pessoas. E a inovação é a magia que está na base de um design melhor, que por seu lado conduz a melhores empresas e negócios. Neste contexto, a inovação disruptiva tem o poder de tornar a concorrência obsoleta.
Nas palavras do autor de Brand Gap, quando a concorrência faz ZIG, a nossa empresa deve fazer ZAG. Um movimento disruptivo que deve ter a capacidaade de assustar tudo e todos, pelo caráter fortemente inovador que transporta dentro de si. Para Marty Neumeier, as empresas que não conseguem ser inovadoras, não conseguem ter a magia suficiente para atraírem os consumidores certos.
Validação: integrar o reconhecimento do consumidor
O modelo tradicional de comunicação está obsoleto. Hoje em dia, é fundamental evoluir de um monólogo para um diálogo, onde o feedback do consumidor deve ser considerado de forma permanente na gestão da marca.
Este feedback do consumidor é fundamental não apenas no processo comunicacional da marca, como também no processo de pesquisa e de desenvolvimento. E nesse contexto, Marty Neumeier recomenda que se utilize focus-groups de consumidores para focalizar a pesquisa, e não transformar esses grupos na pesquisa em si mesmo. Aliás, o autor de Brand Gap evidencia algum ceticismo quanto à pesquisa quantitativa, preferindo a vertente qualitativa ou mais sensorial, que na sua opinião conduz a importantes epifanias que despoletam os avanços da marca. Para tal, Marty Neumeier recomenda que se avalie as expressões da marca, a sua personalidade, o seu carácter distinto, a relevância, assim como a notoriedade, profundidade e reconhecimento da marca.
Desenvolvimento: nutrir a vitalidade da marca
Uma empresa não é uma entidade amorfa, mas sim um organismo vivo, sendo a marca uma expressão dessa vitalidade num cenário dinâmico, onde cada colaborador tem um papel ativo nessa representação. Também os consumidores participam neste espetáculo vivo, uma vez que, ao experimentarem a marca, atraem novos consumidores engrandecendo o próprio espetáculo.
Por ser um organismo vivo, a marca também apresenta uma vulnerabilidade sempre presente. E por isso é fundamental ‘cultivar’ a marca e desenvolvê-la de forma cuidada e atenta: um produto mal lançado, ou uma quebra na qualidade podem prejudicar a credibilidade e colocar em causa a reputação da marca.
...
Em conclusão, Brand Gap (ou o Abismo da Marca na edição portuguesa), é uma obra escrita com a sensibilidade de um criativo que, ao longo da sua vida profissional, sempre se debateu com a racionalidade dos clientes. E por isso é um livro poderoso e atual nos dias de hoje. Alinhar a funcionalidade da marca, com o seu valor simbólico, está na base das marcas de sucesso, que articula, mensagens metafóricas, com produtos de alto desempenho, para consumidores cada vez mais exigentes. Mas também sonhadores.
Comments